domingo, 15 de setembro de 2013

Itinerário

Para quem embarca agora e para corrigir a falta de uma ordem cronológica nas postagens do blog, traço aqui o caminho percorrido pela Jeguetrip.
Meus planos eram passar vinte dias em Berlim visitando uma amiga e em seguida voar direto para Índia onde estudaria medicina ayurvêdica por cerca de seis meses. Em seguida voltaria ao Brasil. Encerrei minha viagem na China treze meses mais tarde sem passar pela Índia, que deixou logo no princípio de ser minha meta principal.
Apaixonei-me por Berlim assim que cheguei e só saí de lá três meses depois quando o inverno chegou encurtando os dias cada vez mais frios e úmidos. Além disso, terminei um relacionamento do gênero “Berlim é pequeno demais para nós dois”.
Imaginei então que a Grécia seria um lugar melhor que Índia para curar o coração partido. Não poderia estar mais enganado. O isolamento das ilhas gregas vazias no inverno e sua beleza devastadora foram um tratamento de choque para mim. Mas enfim tive oportunidade de mergulhar fundo num processo forçado de auto-conhecimento. E a cura veio trazida pelo irmão Tempo com quem tenho essa relação difícil pois apaga indiscriminadamente de nossa mente amigos e amantes.
Tomei então um barco para Turquia para conhecer algumas cidades e conseguir meu visto para Índia. Mais precisamente cruzei de Rodes a Marmaris. Dirigi-me na mesma noite a Istambul. Istambul é uma cidade e dois continentes, Europa e Ásia. Dividida pelo estreito de Bósforo, Istambul possui essa dupla personalidade fascinante. Mas meu bolso não me permitiria ficar por muito tempo. Apesar de mais barata que Europa, Turquia ainda é bem mais cara que a maior parte da Ásia e eu seguia só gastando. Assim rapidamente solicitei ao consulado da Índia um visto que demoraria 10 dias para ficar pronto. Aproveitei o meio tempo para ir à Capadócia, de onde vira fotos enquanto ainda estava no Brasil.
Lá fiquei amigo de um esloveno que convenceu-me que eu não deveria perder a oportunidade de conhecer o Irã já que estava ali ao lado. Segundo ele, os iranianos eram um povo extremamente hospitaleiro e a arte e arquitetura persas dignas de nota. A economia de deslocar-me por terra também teve peso crucial na minha decisão. A espera pelo visto iraniano fez-me passar o fim do ano em Istambul.
No início de janeiro parti então num ônibus rumo a Teerã. Seriam praticamente dois dias de viagem num cenário predominantemente coberto por neve e gelo. Encurtei entretanto a viagem decidindo saltar em Tabriz (noroeste do Irã) no meio da noite. Estive no Irã por mais de dois meses. O país fazia jus a tudo o que Madison me dissera. Infelizmente por motivos de visto fui obrigado a deixar o país logo antes do “Norooz”, o Ano Novo persa comemorado em 21 de março, quando eles entraram no ano de 1388. No tempo em que estive por lá ouvi de vários outros mochileiros sobre as belezas naturais do Paquistão e novamente sobre um povo gentil e hospitaleiro. Uma natureza inigualável contando com algumas das montanhas mais altas do mundo, uma hospitalidade que chegava a ser atração turística, uma cultura moldada por um turbilhão de acontecimentos históricos e preços “ridículos” de tão baratos.
Estive no Paquistão por quatro meses. O país teve em mim um impacto profundo. Nunca voltamos os mesmos das viagens que fazemos mas o Paquistão foi para mim de fato profundamente transformador. Apesar de todos os choques culturais com os quais muitas vezes foi difícil lidar, saí de lá com uma saudade antecipada e uma gratidão profunda. Viajar ensinou-me a respeitar as estações, assim protelei mais uma vez minha ida a Índia imaginando que seria um clima mais propício para o verão.
Tomei o caminho da China seguindo pela KKH. Karakoram Highway é a estrada internacional mais alta do mundo. Uma estrada que serpenteia por vales entre rios glaciais e montanhas enormes. Cheguei dessa forma à província de Sinjang na China, onde a maioria da população pertence a uma raça mestiça chamada wigor e é predominantemente muçulmana. Com isso eles sofrem grande preconceito do governo chinês. Alguns protestos recentes haviam feito com que o governo cortasse as comunicações internacionais (telefonia e internet) em toda a província. Tomei então meu primeiro vôo desde que comecei a deslocar-me pela superfície terrestre, cruzando a China praticamente toda de oeste a leste e indo parar direto na capital, Pequim. Depois de cair gravemente enfermo duas vezes em um mês, decidi que era hora de permitir a meu corpo um descanso e resolvi voltar ao Brasil. Além disso senti-me saturado, parecia não haver mais espaço para absorver as novidades. Era hora de assimilá-las.
Antes do Brasil passei mais 15 dias em Berlim onde fui acolhido com um imenso carinho pela Chris. Até vê-la não sabia exatamente qual seria o sentimento que esse encontro despertaria. Um desfecho cheio de significados para uma viagem ainda mais “profunda” do que longa. Vivo hoje esquartejado, meu coração em Perpignan, minha mente na Ásia, meu corpo mecanicamente sobrevivendo numa cidade com a qual me identifico menos do que a maioria nas quais estive.
Mas a readaptação também traz ricos aprendizados e a acolhida de velhos e novos amigos ameniza o impacto do retorno. As comparações inevitáveis entre esses outros mundos e o nosso enriquecem minha percepção de todos os acontecimentos, ainda intensamente vivos dentro de mim.




terça-feira, 10 de setembro de 2013

As Portas de Kharanaq - Irã (photos)

Kharanaq é uma vila no deserto, próxima a Yazd, no Irã. Circundada por morros baixos completamente despidos de vegetação, Kharanaq possui a energia mística  típica dos desertos, leve mas quase palpável de tão intensa.
Em frente a um pequeno castelo em ruínas,  havia uma guest-house na qual fui trabalhar por comida e acomodação.
Um dia recebemos a visita de dois arquitetos que trabalhavam com restauração e fomos com eles visitar as ruínas do castelo. Enquanto caminhávamos, eles nos explicavam o motivo de alguns detalhes da construção.
Algo que sempre me intrigava era a "pequinez" das portas de algumas casas.
Um deles então explicou-me que, para passar pela porta, as pessoas viam-se obrigadas a curvar-se, demonstrando respeito aos que já se encontravam no aposento.
Meses depois continuo odiando essas portas pequenas que ainda me criam galos quando bato minha arrogância contra elas.

A minarete do castelo. Para subir ao topo a passagem é tão estreita que tive a impressão que ficaria entalado.


O projeto de restauração do castelo.


Sebastian, um dos donos do Silk Road em Yazd e da Guest House em Kharanaq. Um grande amigo. Apesar dos óculos, um sujeito de excelente "visão".


Um brasileiro no deserto do Irã e acontece o quê? Chove.



Um dos meus trabalhos árduos em Kharanaq, entreter oito jovens iranianas.




Essas crianças apareceram na Guest House na minha primeira manhã em Kharanaq. Um bom presságio.



Cerveja sem álcool, claro. Mas que sentido tem, então?







Um pé de pistache.


quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Kashgar, Xinjiang - China

Cheguei à China por terra atravessando um platô de mais de 4 mil metros de altitude chamado Khunjerab Pass. Essa fronteira abre-se apenas nos "meses quentes", mais ou menos entre maio e setembro.
A cidade fronteiriça do lado paquistanês chama-se Sost e ouso dizer, não apresenta nenhum atrativo especial. O caminho até lá, pelo contrário, merece ser feito inúmeras vezes.
Subindo Karakoram Highway tendo exatamente à minha frente a cordilheira de mesmo nome, uma das mais altas do mundo, assistia à suas montanhas multicoloridas, sentado confortavelmente no teto da van acomodando-me entre as malas como se fossem um sofá.
Passei a noite em Sost, ainda atordoado por um "space cake" que amigos prepararam especialmente para minha despedida. Na manhã seguinte cedo partimos para a China por uma estrada igualmente fascinante.
A província de Xinjiang parece exercer a função prática de transição entre Paquistão e China com sua população ainda predominantemente muçulmana pertencente a uma raça chamada uigur.
A já evidente diferença com os chineses é exacerbada pela manifesta vontade do povo de terem o seu reconhecimento étnico.
Essa miscigenação cultural fascinante me dava uma sensação de déjà vu. De certa forma esse sentimento de estar num divisor de águas me lembrava Istambul. Infelizmente tive que precipitar minha saída de Xinjiang sem conhecê-la como gostaria.
O choque entre essas duas culturas, uigur e chinesa, culminou em protestos cerca de um mês antes de minha chegada. O resultado foi o corte nas comunicações internacionais. Internet e telefonemas internacionais ainda estavam proibidos quando cheguei a Xinjiang e ninguém arriscava dizer quando voltariam ao normal.
O momento me recomendava manter contato estreito com o Brasil e então deixei a província voando de Kashgar a Pequim cruzando praticamente toda a China na contra-mão do sol.

A Cordilheira de Karakoram.



Os traços já mesclando ocidente e oriente.






No bazar é possível encontrar toda espécie de comidas exóticas prometendo a cura de uma infinidade de problemas.


Minha foto preferida.

A autora da foto.

As maquininhas de sorvete presentes desde o norte do Paquistão.

A decoração das mesquitas sempre mudando de acordo com as regiões e as culturas.

A cidade antiga.

Os detalhes das portas da cidade antiga.

A estátua do Mao para que ninguém se esqueça quem é que manda.